Estação de Memórias - São Joâo Del Rey
MINERAÇÃO
OURO EM QUEDA, POPULAÇÃO EM ALTA
A QUEDA DO OURO E AS ALFORRIAS
PELOURINHO DE SÃO JOÃO DEL-REI
QUEM FOI TRAZIDO PRA CÁ
ESCRAVIZADOS NASCIDOS NA ÁFRICA - "ESCRAVO DE NAÇÃO"
ESCRAVIZADOS NASCIDOS NO BRASIL

MINERAÇÃO

A descoberta do ouro nas Minas, na virada do século 17 para o 18, fomentou o já intenso comércio de escravizados no Brasil. O tráfico transatlântico dobrou na primeira metade do século 18. Entre 1701 e 1720, aproximadamente 292 mil africanos escravizados foram desembarcados nos portos brasileiros e enviados principalmente às minas de ouro. De 1720 a 1741, houve outro aumento significativo, com 312,4 mil indivíduos aportados na América portuguesa. Nas duas décadas seguintes, o tráfico atingiu seu ápice, com 354 mil africanos escravizados sendo introduzidos na América portuguesa entre 1741 e 1760.

Lavagem do minério de ouro perto da montanha de Itacolomi (Ouro Preto/ MG). Johann Moritz Rugendas, 1835. Acervo Brasiliana.

OURO EM QUEDA, POPULAÇÃO EM ALTA

Em 1780, a exploração do ouro na região entra em declínio. São João del-Rei, porém, já tinha forte atividade agrícola e comercial e não sofre tanto economicamente, pelo contrário: na contramão do declínio, a cidade acaba crescendo ao receber grande número de moradores do entorno em busca de trabalho.

A população da Comarca do Rio das Mortes triplica, saltando de 82.781 habitantes, em 1776, para 213.617 moradores, em 1820.

Relatos:

“O centro das exportações mineiras tinha sede na praça comercial de São João del-Rei, que, juntamente com Barbacena, constituíam os dois polos do comércio atacadista, servindo de verdadeiros entrepostos regionais. Situados na estrada das Gerais, centralizavam o fluxo das mercadorias de diferentes regiões, até mesmo de Goiás e Mato Grosso. São João del-Rei drenava a maior parte das exportações de subsistência mineira, ao passo que Barbacena concentrava principalmente as exportações de algodão”.

Alcir Lenharo, no texto “As tropas da Moderação: O abastecimento da Corte na formação política do Brasil: 1808-1842”, publicado em 1993

 “A cidade de S. João d’el Rey, com a distância de 8 milhas de S. José, também foi celebrada pela quantidade de ouro que produzia, particularmente o extraído em poços, em que a tradição proporcionou as mais extraordinárias histórias;[…]; a Serra do Lenheiro se abria a nossa frente, e estendendo como a de S. José, em duros cumes de rochas perpendiculares, mas mais irregulares e espalhadas e dentro de uma nós chegamos na ponte que cruza o Rio das Mortes.[…] a impressão de ser ali uma próspera e florescente cidade, na qual a maioria das casas mercantis se compunham de lojas de aparência bem cuidada e cheias de mercadorias de várias procedências, principalmente louças e artigos da Inglaterra e fardos de algodão cru e pilhas de grosseiros chapéus de feltro, além de uma diversidade de outros produtos manufaturados na região.”

Robert Walsh, médico e capelão da colônia britânica no Rio de Janeiro, que durante os anos de 1828 e 1829 visitou e descreveu acontecimentos da colônia.

Vista de São João del-Rei, MG. François Hippolyte Lalaisse, século 19. Acervo Museu Histórico Nacional

A QUEDA DO OURO E AS ALFORRIAS

Com a queda da mineração do ouro, manter os escravizados começou a ser menos lucrativo para os exploradores. Dessa forma, as alforrias, libertações da condição de escravos, foram “facilitadas” e se tornaram mais comuns no período. A população escravizada que estava excedente foi rapidamente incorporada às atividades agropastoris por meio de alforrias. Segundo os Livros de notas do 1º Ofício de São João del-Rei (1754-1831), foram analisadas 382 alforrias, concedidas na década de 1801-1810, sendo o principal tipo concedido a alforria paga, contabilizando 156 casos; depois foram as alforrias gratuitas/condicionais, sendo 82 alforrias, e as restantes foram condicionais. As alforrias condicionais são aquelas que envolvem algum tipo de condição como: “pagamento, prestações de serviços, tempo de trabalho, cumprir exigências religiosas com o pagamento de missas para alma do testador, de amigos, parentes e almas do purgatório etc.” No caso do pagamento, ele poderia ser feito à vista, ou entregando um novo cativo para o seu senhor, ou pela coartação, ou seja, a liberdade vinha de maneira gradual em troca de serviços. O acesso à alforria foi viabilizado por uma necessidade econômica. O povo negro em São João foi fundamental para garantir que a cidade crescesse economicamente, participando ativamente nas trocas comerciais, nos serviços e no consumo de produtos. 

Dados e informações extraídas da tese de doutorado de Cristiano Lima da Silva, intitulada Entre batismos, testamentos e cartas: as alforrias e as dinâmicas de mestiçagens em São João del-Rei (c.1750-c.1850).

Relato:

 “A alforria nunca foi gratuita. Mesmo sem ter de pagar dinheiro ou prestar serviços para receber a alforria, o indivíduo, durante a sua vida de escravo, já entregava valores para o senhor, sem que tivesse havido uma contrapartida de valores iguais entregues ao escravo”.

Peter Eisenberg, em seu livro Homens esquecidos: escravos e trabalhadores livres no Brasil – Séculos XVII e XIX.

Requerimento de Domingos José de Souza solicitando alforria de seu filho (concedida). Fundação Biblioteca Nacional.

PELOURINHO DE SÃO JOÃO DEL-REI

O pelourinho é a coluna símbolo do poder da coroa portuguesa e da violência da escravidão. Feito em pedra, madeira ou metal, era erguido em praças ou vilas coloniais como local de punição pública. Ali, as autoridades coloniais aplicavam castigos físicos contra escravizados e infratores. Os açoites e outras práticas eram uma forma de demonstração de poder e controle da ordem pública, com a intenção de coibir certas atitudes. Para reforçar ainda mais a autoridade colonial, as colunas eram acompanhadas por brasões.

Grande parte dos pelourinhos foram destruídos ou retirados depois da abolição. São João del-Rei é uma das poucas cidades no país que ainda mantêm a coluna intacta. Hoje, o monumento serve como registro histórico do período colonial e reforça a necessidade de reparação histórica pela violência da escravidão contra o povo negro.

Vista do pelourinho em São João del-Rei. Autoria desconhecida, 1980. Acervo do Arquivo Público Mineiro.

QUEM FOI TRAZIDO PRA CÁ?

Diversos grupos étnicos africanos foram trazidos ao Brasil por meio do comércio transatlântico de escravizados, promovido por Estados europeus como Portugal e Inglaterra, que estabeleceram feitorias e entrepostos comerciais ao longo da África. Nesses locais, eles adquiriam escravizados de diversos grupos étnicos africanos, conduzindo-os para as Américas, onde eram submetidos ao trabalho forçado em plantações, minas e outras atividades econômicas. Tal comércio interrompeu e devastou essas comunidades, desencadeando uma diáspora africana que teve impactos duradouros. As pessoas escravizadas foram forçadas a abandonar não apenas suas terras, mas também suas tradições culturais, línguas e sistemas sociais, enfrentando uma realidade desafiadora nas Américas. Aqui eles eram classificados pelo que era chamado de “qualidades”.

A seguir, você pode conferir as classificações dos escravizados que ganharam liberdade e que foram registrados em testamentos, entre 1751 e 1850, e nos Livros de Notas, entre 1774 e 1831, em São João del-Rei. Lembramos que, quando a documentação se refere aos africanos que entraram no Brasil por determinados nomes, estes podem estar ligados à região de captura ou aos portos pelos quais embarcaram em direção ao Brasil, não às suas origens étnicas reais.

Tabela extraída da tese de doutorado de Cristiano Lima da Silva, intitulada Entre batismos, testamentos e cartas: as alforrias e as dinâmicas de mestiçagens em São João del-Rei (c.1750-c.1850).

ESCRAVIZADOS NASCIDOS NA ÁFRICA – “ESCRAVO DE NAÇÃO”

O conceito de “escravo (ou preto) de nação” está relacionado, na maioria das vezes, ao local de embarque ou de aprisionamento da pessoa negra africana submetida à escravidão. Isso não implica, necessariamente, a identificação étnica dos africanos cativos, tampouco a indicação de sua procedência geográfica exata. As denominações comumente indicavam os territórios onde tinham sido capturados ou embarcados: Cabo Verde, Angola etc.

Por vezes, as pessoas escravizadas se sentiam pertencentes ao grupo étnico correspondente à sua classificação. Exemplo disso é o livro da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, de São João del-Rei, de 1803. Nele, consta o registro de missas da Nobre Nação Benguela, um indício de que os benguela formaram um grupo com identidade própria e autonomia. É interessante notar ainda que em tal Irmandade constava o registro de entrada de irmãos que se consideravam de outros grupos, como Ganguela, Monjolo, Songa, entre outros.

Na Comarca do Rio das Mortes, as classificações mais encontradas são os Minas e os Benguelas. Vamos conhecer um pouco mais sobre esses e sobre outros grupos.

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ESCRAVIZADOS NASCIDOS NO BRASIL

A classificação das pessoas escravizadas era elaborada, em grande medida, tendo por base a origem dessa pessoa – seu local de nascimento, captura ou porto de embarque. Porém, a cor continuou sendo um aspecto importante para a determinação de sua “qualidade”. Para aquelas pessoas escravizadas nascidas no Brasil, a classificação levava muito em conta esse aspecto: a cor. Aqui, vamos algumas dessas classificações.

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